EM BUSCA DOS MISTÉRIOS DE MARIA MADALENA E SANTA SARA

Em busca dos mistérios de Maria Madalena e Santa Sara


Por Heloísa Monteiro de Moura Esteves 


Partimos no mês de maio, outono no hemisfério sul e primavera no hemisfério norte. A viagem foi sonhada muito tempo antes, nas rodas de dança cigana em que bailávamos em torno da fogueira ou do caldeirão. Estrelas coroavam nossas cabeças e ouvíamos, pela primeira vez, a história de Santa Sara, a Padroeira do Povo Cigano. Era preciso estar na pequenina Saintes-Maries-de-La-Mer, em pleno Parque de Camargue, no sul da França, no mês de maio, em torno do dia 24, data em que se comemora a festa de Sara, a suposta escrava egípcia que teria aportado na Provence em companhia de Maria Salomé, Maria Jacobé e Maria Madalena.Nos meses anteriores, planejamos o roteiro minuciosamente, incluímos o percurso de Maria Madalena nas terras francesas, para alguns, a portadora do Santo Graal, por ser, na verdade, a mãe de Sara, fruto de seu casamento com Jesus.Sem respostas precisas e muitas perguntas no ar, entendemos também que a Catedral de Chartres, com toda a sua simbologia, não poderia ser excluída da peregrinação, com a meditação no seu instigante labirinto.
Lançamos o convite, divulgamos a proposta, convidando a todos e a todas sem exceção. Compareceram 25 mulheres. Nenhum homem! Um grupo composto exclusivamente por mulheres, maduras, todas acima dos 40 anos de idade.
E partimos para a grande peregrinação, não sem muita reza, meditação e revelações. Foram dias intensos, sob a incrível luminosidade do sol da Provence e sob os efeitos do Mistral, que, durante grande parte do percurso, nos acompanhou. Muitos sinais começaram, então, a surgir. Saímos do Brasil no domingo da Festa de Pentecostes e aportamos no sul da França na segunda-feira seguinte, feriado nacional no território gaulês, em virtude da referida festa. No momento do brinde de boas-vindas, no charmoso hotel de Aix-en-Provence, algo inusitado aconteceu, com o saldo de três taças de Kir quebradas, ao final. De fato, ao explicar que no catolicismo tradicional a figura da mulher foi banida da trindade, sendo certo que, para os primeiros cristãos, o Espírito Santo seria, originariamente, Maria Madalena, senti uma espécie de empurrão e minhas mãos, descontroladas, bateram nas taças, que tombaram no chão, quebradas, desperdiçando o delicioso coquetel a base de licor de Cassis. Percebemos, de pronto, que estaríamos lidando com energias muito poderosas.
No dia seguinte, no entanto, o grupo seria agraciado com infinitas bênçãos, na feminina gruta sagrada de Maria Madalena, no alto do maciço de Sainte Baume.
Logo pela manhã, partimos de ônibus para a cidade vizinha de Saint Maximin, que foi um dos amigos mais queridos de Maria Madalena. A imponência da catedral dedicada a ela nos impressionou, assim como a visita à cripta que guarda, segundo os fiéis, suas relíquias. O cheiro de mirra na catedral, a altura de suas colunas, a maravilhosa escultura de Maria Madalena na entrada da cripta, o mistério, as histórias não ditas, tudo nos causou profundas impressões. Depois, a visita ao Convento Real e o seu misterioso quadro retratando os dominicanos protegendo e guardando Maria Madalena, o maravilhoso almoço servido nas varandas internas do Convento, que se abrem para um maravilhoso jardim, o vinho rosé dourado e perfumado da Provence se misturando, aos poucos, com nosso sangue e nosso desejo de refazer o caminho daquela cujo feminino foi tão excluído...
Iniciamos, então, a subida pelo Caminho dos Reis, que atravessa a floresta sagrada do maciço de Sainte Baume. A guia me relata, num francês claro e suave, que, muito tempo antes de Maria Madalena escolher aquele lugar para viver, depois de ter aportado no sul da França, a floresta já era considerada sagrada pelos celtas e seus sacerdotes druidas, local dotado de uma energia de magia, com poderes para ajudar nos processos de fertilização das mulheres. Subimos o morro nos dividindo em pequenos grupos e nos deliciando com a beleza das folhas verdinhas, tomando água pura que descia pela montanha, pressentindo a presença de inúmeros guardiões naqueles lugares sagrados, a nos espreitar através das frondosas árvores. Peregrinos cruzavam com nossos grupos, fazendo o sentido oposto, descendo em direção à cidade e nos conclamando a continuar, porque a beleza que nos aguardava era inenarrável. E, no fim do caminho real, a grande escadaria que nos conduz à gruta, onde entramos com os corações em alerta e já num estado alterado de consciência. Por causa da chuva torrencial que caíra insistentemente na última semana – a guia me explica- a gruta estava tão úmida, com a água pingando do teto, batizando nosso chackra da coroa, deixando o chão todo molhado. Uma gruta muito feminina, logo entendi, permeada pela água, elemento feminino, que nos remete à fluidez, à maleabilidade, aos sentimentos. Uma gruta úmida e cheia de líquidos, assim como o útero e a vagina. E, em estado de profundo êxtase, adentramos pelo interior da sagrada gruta, em busca de reminiscências e da energia da Senhora do Manto Vermelho, que em tantos momentos se fizera presente em nossos encontros no círculo de mulheres no distante Brasil... Tomadas por profunda emoção, entendemos que naquele momento e local deveríamos oficialmente estabelecer os alicerces para a congregação das Madalenas - as mulheres do século XXI que querem, novamente, reaprender a lidar com seu feminino, fazendo o casamento sagrado, a alquimia interna, de seu lado masculino com seu lado feminino, para viver uma vida mais plena, sem fragmentação, marcada pela inteireza do ser e no ser. Reunidas em círculo, ao qual se juntaram outras mulheres europeias, cantamos em conjunto o mantra Shalom Mariah, invocando a mais poderosa energia de transmutação e amor. Estávamos plenas, inteiras, felizes, completas... No fim da tarde, os sinos começaram a bater, num misterioso convite à meditação e os padres responsáveis pelo local entoaram cantos gregorianos...
Do alto do maciço de Sainte Baume, olho extasiada para a floresta sagrada, para a França amada, para aquelas terras por onde a Senhora do Manto Vermelho transitou... Estou em estado de graça...A sensação se faria presente, ainda, em Rennes-le-Château, nas suas ruas de pedras, cheias de lojinhas misteriosas, diante da maravilhosa imagem de Maria Madalena na pequena igreja onde o Abade Saunière, admirador de Maria de Magdala, teria, supostamente, encontrado o enigmático segredo do Santo Graal. Nos jardins da Vila Bethânia, alecrins em flor, lavandas e sálvias, perfumando o ar... Mistério, magia, lendas, histórias perdidas na poeira dos tempos, na pequena vila escondida no alto da montanha. Nas terras de Camargue, a Igreja fortaleza a guardar as relíquias de Santa Sara, cuja imagem, retirada da cripta, no dia 24 de maio, é levada ao mar, em festa, pelos ciganos de todo o mundo, num festival de cores, alegria, fé e esperança, numa profunda e instigante conexão com as homenagens à Iemanjá na Bahia do Brasil, repetindo-se o ritual no dia seguinte, agora com as imagens das duas Marias: Salomé e Jacobé. E, para coroar a peregrinação, a visita à Catedral de Chartres e a meditação pelo seu labirinto, onde, uma vez mais, invocamos a paz de Maria, de todas as Marias, Maria de Nazaré, Maria de Magdala, num círculo de amor e de paz, sabendo que um único caminho nos conduz ao centro e nos permite encetar a viagem de volta para casa...
 


Autora: Heloísa Monteiro de Moura Esteves   Autora do livro Oráculo das Matryoshkas Oficina "Matryoshka: ancestralidade e intuição na viagem de volta para casa" Círculos Sagrados de Mulheres "Encontros com Madalena" Oficina "Cinderela e o feminino sagrado" Palestras: "Matryoshka:mistério do feminino", "Alinhando a energia rumo ao sucesso", "Espiritualidade e Justiça
E-mail: heloisa.monteiro@globo.com
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Fonte:http://somostodosum.ig.com.br/clube/artigos.asp?id=34957

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